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Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem de ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nasc...
Mensagens recentes
Uma mente desocupada, é o recreio do demónio. Uma mente ociosa é o recreio do demónio. É mais uma daquelas frases que lí nas legendas de um qualquer filme e que, por alguma razão, guardei. Hoje, apetece-me imenso reescrevê-la. Uma mente desocupada, é o recreio do demónio. Cobiço esmiuçá-la, estudá-la, compreendê-la. Quando temos tempo livre e pouco para fazer, alguns de nós resolvem pensar. Pensar na vida, pensar no passado, pensar no futuro. A uma velocidade tal que pensamentos e sentimentos se misturam e complementam, poluindo-se biunivocamente, e tornando tudo muito confuso. Entramos assim numa espiral de loucura, de insanidade, em que tudo é posto em causa e não somos capazes de discernir a realidade da fantasia, o inovador do imbecil, enfim, o certo do errado. Uma mente perdida neste emaranhado não é uma mente ociosa. É uma mente que, por desocupada, resolve entreter-se com o que de mais lamacento vive no nosso subconsciente. São sentimentos que nos assaltam. Que nos ca...
Cogito ergo sum Chovia copiosamente. Estava frio. Da varanda podia ver no restaurante defronte de minha casa, duas mesas em que comensais famílias agasalhavam o ser. Confortáveis. Cálidos. Na rua que se nos entremeava, um camião de recolha do lixo levava ao dependuro dois homens que recolhem, todas as noite, o lixo de outros seres. Um coberto com um oleado amarelo. Outro sob um guarda-chuva lilás. Ambos encharcados. Provavelmente enregelados. Num primeiro momento fui assaltado pela incongruência de tal quadro. Homens rudes, que recolhem lixo, cinzento, putrefacto, fétido, como que apêndices de uma máquina que devora o que outros excretam, abrigados em parcos acessórios coloridos e festivos. Mas eis que logo se me assomou a imagem dos outros, comensais, cálidos. Meu Deus, o contraste. Que dois mundos tão próximos e tão díspares. E eu, atónito, entre ambos (literal e metaforicamente). Percebi nesse instante o sonho impossível (utópico?) de Marx. Ele mesmo uma disparidade na filiação...
Sobre Fernando Pessoa : “Era um homem que sabia idiomas e fazia versos. Ganhou o pão e o vinho pondo palavras no lugar de palavras, fez versos como os versos se fazem, isto é, arrumando palavras de uma certa maneira. Começou por se chamar Fernando, pessoa como toda a gente. Um dia lembrou-se de anunciar o aparecimento iminente de um super-Camões, um Camões muito maior do que o antigo, mas, sendo uma criatura conhecidamente discreta, que soia andar pelos Douradores de gabardina clara, gravata de lacinho e chapéu sem plumas, não disse que o super-Camões era ele próprio. Ainda bem. Afinal, um super-Camões não vai além de ser um Camões maior, e ele estava de reserva para ser Fernando Pessoa, fenômeno nunca antes visto em Portugal. Naturalmente, a sua vida era feita de dias, e dos dias sabemos nós que são iguais mas não se repetem, por isso não surpreende que em um desses, ao passar Fernando diante de um espelho, nele tivesse percebido, de relance, outra pessoa. Pensou que havia sido mais u...

O Senhor das Uvas

É fim de Verão. O Outono já espreita e com ele a languidez de dias que diminuem. Uma toalha de praia esquecida no carro ainda tem o cheio do mar, da areia, das algas, do protetor solar. Os dias estão menos quentes. Também não são frios… Suspiramos o fim do verão e sentimo-nos nostálgicos quando a noite chega sem aviso. Ainda é tão cedo e já está a escurecer!... O fim de tarde é dourado pela mistura da luz do Sol, que entretanto se esconde, e de algum candeeiro mais zeloso do seu dever, que resolve adiantar-se na sua função … De repente ouvem-se vozes na rua. Muitas vozes. Muita gente, atarefada. E ao mesmo tempo sente-se alegria na sua voz. É gente do campo que regressa das vindimas. Não resisto e corro à janela. Espreito… Um carro puxado por vacas avança lentamente, ultrapassando com dificuldade o paralelo da rua. O ritmo desajeitado dos animais e a incerteza do calceteiro que combinou o paralelo fazem o carro tremer. O grande tonel que vai em cima dele estremece e faz ranger as cor...

Tela Negra de Deus

São enigmáticos os caminhos de Deus. Mas Ele sabe. Ele pinta a tela do nosso destino. Usa as suas próprias tintas de pigmentos misteriosos e indecifráveis. Pinta sob uma tela que nos oferece no dia em que nascemos e nos desafia a percorre-la. É uma tela negra que se revela a cada dia, em cada momento… É uma missão arrojadiça com que nos deparamos. São caminhos entrecortados e repletos de dicotomias. Parece-nos que temos de escolher por onde ir… e escolhemos, convictos de que estamos a traçar o nosso destino. Mas é um equívoco. O caminho está traçado desde o início. O final é conhecido, mas só por Ele. A nós cabe o emprazamento de descobrir e de aprender com cada meandro nebuloso dessa jornada. Palmilhamos muitas vezes veredas sombrias e solitárias. Assustadoras, por vezes. Sentimo-nos perdidos e sozinhos, assustados. E quando O começamos a odiar, quando caímos prostrados de joelhos, blasfemamos, e lavados em lágrimas perguntamos “Porquê?!?... Porque me pões assim à prova?!?” … Ele não ...

Bolha de Sabão

Somos bolhas de sabão. Somos todos bolhas de sabão, que voam aleatórias pelo ensejo do destino. Feitas por Deus, o amigo imaginário dos adultos. Esse amigo imaginário que explica o que não tem explicação e que nos cria a ilusão de conforto quando o destino se nos afigura sombrio. Bolhas de sabão. Voam aleatoriamente chocado umas com as outras, aproximando-se, repelindo-se… Umas chocam e rebentam… Outras chocam, resistem, afastam-se… e depois rebentam. Outras chocam, fundem-se, e depois rebentam. Somos todos bolhas de sabão. Voamos aleatoriamente. Rebentamos. E neste voo aleatório criamos a ilusão de que podemos controlar a trajectória. Criamos a ilusão de que podemos cobrir a nossa bolha transparente com cores opacas. Mas as cores são apenas o reflexo do Sol. Nós criamos a ilusão. Deus tem um sentido de humor muito peculiar. Cria as bolhas e depois fá-las rebentar. Diverte-se deixando que as bolhas de sabão voem numa entropia, pululando entre emoções, desejos e projectos… Mas t...

Pedaço de História

Às minhas avós À avó Rosa Subi a rua a correr. Sentia os sapatos escorregarem ligeiramente no paralelo molhado. Chovia. A tarde estava a meia-luz, pois o Outono estava de partida e o Inverno começava a instalar-se. Para entrar na casa da avó Rosa bastava levar a mão ao puxador e rodar. Estava sempre destrancada. Entrando, sentia-se o cheiro de madeira antiga, de uma casa igualmente antiga. Sentia-se até, o cheiro da humidade. Era o átrio. Tinha de subir as escadas,.. de madeira oca, barulhenta, forradas com alcatifa encarnada. Atirava a pasta (ainda não havia mochilas, não em Darque, pelo menos) para o cantinho do corredor. Sim, porque a casa da minha avó estava cheia de cantinhos mágicos. Alguns serviam até para eu me esconder ou brincar com a Roseta (a cadela Pequinês com mau feitio…). Na mesa estava uma chávena de leite quente com cevada. Leite de vaca… ordenhado nessa mesma tarde. Trazido pela Alice, até casa da minha avó, num cântaro de inox. Lanchava, comia o pão com...

A Grande Corrida à Felicidade….

Todos os homens, mulheres e crianças, capazes de montar a cavalo, deviam comparecer junto do adro da igreja no dia seguinte, pelas oito da manhã. A corrida à felicidade ia começar. No dia marcado e à hora marcada compareceram todas. A palavra passou de boca para orelha e da orelha para a boca e perseguiu este ciclo até que todos da aldeia e das aldeias vizinhas soubessem o caso que ia dar-se. E todos viram naquela a derradeira oportunidade de agarrarem o que toda a vida perseguiram: a Felicidade! Homens, mulheres e crianças. Ricos, pobres e remediados. Todos compareceram no dia e na hora marcada. Ninguém quis deixar de participar naquela corrida em que todos iam ter direito a conquistar o seu quinhão de felicidade. As regras eram simples. Havia algures, ninguém sabia exactamente onde, uma imensidão de felicidade. Tudo o que tinham a fazer seria cavalgar o mais que pudessem e agarrar o quinhão de felicidade que mais lhes aprouvesse. E havia felicidade de todos os tipos e para todo...

Procura-se um Amigo

Vinícius de Moraes Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimento, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja de todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de cria...