27 de setembro de 2007

O Senhor das Uvas

É fim de Verão. O Outono já espreita e com ele a languidez de dias que diminuem. Uma toalha de praia esquecida ainda tem o cheio do mar, da areia, das algas, do protector solar. Os dias menos quentes. Também não são frios… Suspiramos o fim do verão e sentimo-nos nostálgicos quando a noite chega sem aviso. Ainda é tão cedo! E já está a Escurecer!... O fim de tarde é dourado pela mistura da luz do Sol, que entretanto se esconde, e de algum candeeiro mais zeloso do seu dever, que resolve adiantar-se na sua função …
De repente ouvem-se vozes na rua. Muitas vozes. Muita gente... atarefada… e ao mesmo tempo sente-se alegria na sua voz. É gente do campo. Regressam das vindimas. Não resisto e corro à janela. Espreito… Um carro puxado por vacas avança lentamente, ultrapassando com dificuldade o paralelo da rua. O ritmo desajeitado dos animais e a incerteza do calceteiro que combinou o paralelo fazem o carro tremer. O grande tonel que vai em cima dele estremece e faz ranger as cordas que o seguram. As uvas, que mal se seguram dentro daquele, saltam a cada estremecimento… as crianças aproximam-se… atiro-lhes um cacho. Sou eu que vou em cima do carro?!? Estou segurar-me com dificuldade para não cair entre abanões… sinto-me o rei … o Senhor das Uvas… toda aquela gente com ar de tarefa cumprida segue atrás do carro, ainda de tesoura de podar em punho. À frente o meu avô conduz as vacas, o carro… e todos os que o seguem… e eu vou em cima. Pequeno, uma criança, mas Rei… O reinado dura apenas o tempo da viagem entre a quinta e o lagar… Mas as crianças não se importam de ser Reis, mesmo que seja por pouco tempo…
Regresso do mundo das memórias… Já não sou a criança… já não vou às vindimas há mais anos do que aquele que tinha quando era o Senhor das Uvas… Mas em cima da mesa, como então, estão os doces e compotas que a minha avó (a avó Rosa… e sempre ela) ainda faz. Foi a cor avermelhada da marmelada caseira, o cheiro do doce de cabaça, que me fizeram recuar no tempo… um passado mais longínquo a cada dia, e sempre tão presente na minha memória.
Foste tu!... Foste tu quem reparou na cor da marmelada e me chamou à atenção. – Ah! É tão vermelha! – Levanto a cabeça e olho para ti. Sinto o meu coração encher-se de felicidade… ah! Estás aí! – (Penso para comigo… que bem que me fazes… como te amo…) - Toma! - Estendo-te mais uma fatia de pão com queijo e doce. Tu sorris… com os olhos… com os lábios… e eu, vaidoso, sorrio por dentro…
Faz-se um silêncio momentâneo… e de repente sai-me pela boca, em tom de brincadeira, como quem tem medo que a verdade se encavaque, pela pudicícia de se ver assim exposta:
- Um dia… ainda te peço em casamento!