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A Grande Corrida à Felicidade….

Todos os homens, mulheres e crianças, capazes de montar a cavalo, deviam comparecer junto do adro da igreja no dia seguinte, pelas oito da manhã. A corrida à felicidade ia começar.

No dia marcado e à hora marcada compareceram todas. A palavra passou de boca para orelha e da orelha para a boca e perseguiu este ciclo até que todos da aldeia e das aldeias vizinhas soubessem o caso que ia dar-se. E todos viram naquela a derradeira oportunidade de agarrarem o que toda a vida perseguiram: a Felicidade!

Homens, mulheres e crianças. Ricos, pobres e remediados. Todos compareceram no dia e na hora marcada. Ninguém quis deixar de participar naquela corrida em que todos iam ter direito a conquistar o seu quinhão de felicidade.

As regras eram simples. Havia algures, ninguém sabia exactamente onde, uma imensidão de felicidade. Tudo o que tinham a fazer seria cavalgar o mais que pudessem e agarrar o quinhão de felicidade que mais lhes aprouvesse. E havia felicidade de todos os tipos e para todos os géneros. Era questão de se a procurar e alcançar, ali... à distância de um braço e uma mão aberta.

À hora marcada deu-se o sinal de partida. Todos cavalgaram… atropelando-se… espezinhando-se… e correram... correram...

Uns correram sem parar porque nunca encontraram a Felicidade suficiente para se sentirem satisfeitos... e nunca pararam de correr…

Outros nem sequer encontraram felicidade de qualquer espécie. Pura e simplesmente não a encontraram. Juntaram-se num bando e resolveram regressar e pedir justificações.

Quando estes chegaram… encontraram uma criança. Uma criança que brincava com um gato. E sorria, alheia a tudo o que a rodeava. Homens e mulheres entreolharam-se. Sentiram-se ultrajados. Haviam partido em busca da felicidade mas alguém a havia roubado e trazido para o lugar de onde tinham partido. Haviam sido enganados!!!

Foram ter com a criança e questionaram-na:

- Quem te deu essa felicidade… que usas assim displicentemente, enquanto brincas com esse gato?

A criança respondeu:

- Eu estive sempre aqui, sozinho, a brincar com o meu gato. A Felicidade?!? O que é isso?? Eu só sei que gosto de brincar com o meu gato…

Hugo Pinto

23 Out. 2006

Gato que brincas na rua

Como se fosse na cama

Invejo a sorte que é tua

Porque nem sorte se chama

F. Pessoa

Comentários

veranovo disse…
Só uma pessoa como tu para escrever algo assim...
Anónimo disse…
Ao ler estas singelas palavras, ocorreu-me a ideia de um menino a quem tinham sido oferecido uns patins lindos... Com medo de os estragar, arrumou-os e... esqueceu-se deles. No dia em que se lembrou, os patins já não lhe serviam... Penso que a felicidade é algo do género... Foi um prazer ler-te:)

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